Preços de commodities e demanda por serviços na retomada contribuíram para estouro da meta, diz BC

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, durante audiência pública conjunta das comissões de Assuntos Econômicos e comissão Mista de Orçamento.

A inércia da inflação em 2022, a elevação dos preços de commodities (em especial do petróleo), os desequilíbrios entre demanda e oferta de insumos e gargalos nas cadeias produtivas globais, os choques em preços de alimentação e a retomada na demanda de serviços e no emprego com retomada da economia após o declínio da pandemia foram os principais fatores para o descumprimento da meta de inflação no ano passado, de acordo com carta assinada por Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, e endereçada ao Ministério da Fazenda.

Por outro lado, a autoridade monetária listou entre os fares que agiram no sentido contrário, reduzindo o desvio da inflação, a redução na tributação sobre combustíveis, energia elétrica e telecomunicações, o comportamento da bandeira de energia elétrica, que passou de escassez hídrica para bandeira verde, a apreciação cambial e o hiato do produto no campo negativo.

“Nesse sentido, ressalta-se o papel do aperto da política monetária para a contenção da inflação. A política monetária, que, em 2021 já havia passado do estímulo extraordinariamente elevado para o território contracionista, avançou substancialmente no terreno contracionista em 2022”, diz a carta.

O IGE divulgou nesta manhã que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) alcançou 5,79% no ano passado, situando-se acima do limite superior do intervalo de tolerância de 1,50 ponto percentual (p.p.) em torno da meta de 3,50% ao ano.

Detalhamento

Segundo o BC, esses fatores se traduziram em variações díspares de preços entre diferentes grupos de produtos e serviços. Em 2022, por exemplo, os preços livres aumentaram 9,39%, enquanto os preços administrados recuaram 3,83%. “A inflação da alimentação no domicílio foi de 13,23%, refletindo questões climáticas, pressões de insumos e preços internacionais de commodities agrícolas em alta”, detalhou a autoridade monetária.

Já inflação de bens industriais atingiu 9,54%, refletindo ainda os gargalos nas cadeias produtivas, mais intensos no primeiro semestre do ano. Entretanto, diz o BC, foi observada redução no ritmo de alta nos preços de bens industriais ao longo do ano (6,73% no acumulado no segundo semestre de 2021, 6,52% no primeiro semestre de 2022 e 2,84% no segundo semestre de 2022).

A inflação de serviços em 2022, por sua vez, foi de 7,58%, influenciada pela retomada na atividade do setor após retração durante a pandemia. “Refletindo esses fatores, a inflação de serviços começou o ano em movimento ascendente, mas apresentou relativa estabilidade a partir de meados do ano”, aplicou o BC.

“Por fim, a queda nos preços administrados decorreu das reduções nos preços de combustíveis e de energia elétrica decorrentes da desoneração tributária e, no caso deste último, também em função da mudança na bandeira tarifária.”

Expectativas

Ainda segundo a carta do BC ao Ministério da Fazenda, as pressões inflacionárias e a perspectiva da manutenção dos seus fatores ou da sua propagação afetaram as expectativas de inflação.

“De acordo com a pesquisa Focus, a mediana das expectativas para a inflação doze meses à frente (suavizada), iniciou 2022 em torno de 5,1%, apresentando tendência de alta até início de junho, quando atingiu pico de 6,12%, e depois caiu, influenciada pelas medidas de desoneração tributária, terminando o ano em torno de 5,30%.”

Com isso, a mediana das expectativas para o ano-calendário de 2022 também apresentou tendência de alta, ultrapassando o limite superior do intervalo de tolerância no início de dezembro de 2021 e atingindo máximo de 8,9% no início de junho de 2022, quando entrou em trajetória majoritariamente descendente.

Mercado de trabalho

Sobre o mercado de trabalho, o BC avalia que apresentou resultados robustos em 2022. “A taxa de desocupação ajustada sazonalmente continuou trajetória de declínio e se aproximou de 8%, patamar inferior ao de 11,7% vigente antes de pandemia.”

O BC lembra também que a contratações líquidas medidas pelo Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged) apontaram para criação líquida de 2,2 milhões de vagas nos últimos doze meses até novembro.

“Contudo, nos dados mais recentes, verificam-se sinais de acomodação. Nas últimas leituras, a queda na taxa de desemprego teve menor magnitude e refletiu redução na taxa de participação e não aumento da população ocupada. Além disso, notou-se um menor ritmo de geração líquida de postos de trabalho formais”, diz a carta do BC.

Ciclo de alta de juros

O BC também listou as providências tomadas para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos pelo CMN. A autoridade monetária lembrou que, em 2020, a eclosão da pandemia da covid-19 e seus fortes efeitos desinflacionários levaram o BC a reduzir a meta para a taxa Selic de 4,25% a.a. para o mínimo de 2,00% entre as reuniões de março e agosto daquele ano.

Em paralelo, continuou o BC, foram tomadas diversas medidas envolvendo liquidez, capital e crédito para se contraporem aos efeitos econômicos da pandemia. “Nos últimos meses de 2020, entretanto, observou-se uma sequência de surpresas altistas nos dados de inflação, fazendo com que o ano terminasse com inflação de 4,52%, ante meta de 4,00%”, relembrou.

Essas surpresas, segundo o BC, ensejaram uma mudança na comunicação do Copom, que culminou com o início de ciclo de aperto monetário ainda no primeiro trimestre de 2021.

A autoridade monetária destacou que ao longo de 2021, a inflação corrente, as projeções e o balanço de riscos foram se deteriorando, como reflexo de choques como a forte elevação dos preços de bens transacionáveis, em especial as commodities; a bandeira de energia elétrica de escassez hídrica; e os citados desequilíbrios entre demanda e oferta de insumos.

“Em reação à mudança do cenário desde fins de 2020, o Copom passou a ajustar a política monetária ainda no primeiro trimestre de 2021, com a retirada do ‘forward guidance’ na reunião de janeiro e com o início do processo de ajuste da meta para a taxa Selic na reunião de março, a qual terminou o ano em 9,25%.” O processo de ajuste da meta para a taxa Selic se estendeu ao longo de 2022, embora em ritmo decrescente, até atingir o valor de 13,75% na reunião de agosto, patamar onde se encontra hoje.

Ainda segundo o BC, o crescimento da trajetória da Selic nominal foi mais acentuado do que o aumento das expectativas de inflação na medida considerada. Esse movimento significou a passagem da política monetária do campo expansionista para o território contracionista. “Considerando a estimativa implícita na pesquisa Focus de 06/01/2023, a taxa real de juros permanece em 7,8% no primeiro trimestre de 2023 e então inicia trajetória declinante, atingindo 6,9% ao final de 2023, 5,2% ao final de 2024 e 4,7% ao final de 2025, ainda acima da taxa real neutra considerada nos modelos do BC. Nessa métrica, o aumento da taxa de juros real ex-ante neste ciclo é o maior ocorrido durante o regime de metas para a inflação.”

Convergência à meta

Sobre o prazo no qual se espera que as providências produzam efeito, o BC comenta que as projeções condicionais são de que a inflação acumulada em quatro trimestres prossiga a trajetória de queda ao longo de 2023, terminando o ano em patamar inferior ao de 2022.

A partir de projeções já divulgadas no Relatório de Inflação (em dezembro de 2022), o BC diz que o cenário é de convergência da inflação para as suas metas. “Nesse cenário, em 2023, a inflação ainda se mantém superior à meta, em virtude principalmente da hipótese do retorno da tributação federal sobre combustíveis nesse ano e dos efeitos inerciais da inflação de 2022”, prevê a autoridade monetária.

Segundo a carta, esses efeitos são contrabalançados pela política monetária, embora não de forma integral, em virtude das diferenças temporais entre os impactos dos choques, de prazo mais curto, e os efeitos da política monetária, mais concentrados no médio prazo. “O Copom tem dado ênfase ao horizonte de seis trimestres à frente, que reflete o horizonte relevante, suaviza os efeitos diretos decorrentes das mudanças tributárias, mas incorpora os seus impactos secundários”, afirma.

“Nesse horizonte, referente ao segundo trimestre de 2024, a projeção de inflação acumulada em doze meses situa-se em 3,3%. O Comitê julga que a incerteza em torno das suas premissas e projeções atualmente é maior do que o usual. As expectativas de inflação da pesquisa Focus (6/1/2023) também apontam para redução da inflação, embora em menor magnitude, com valores em torno de 5,4% para 2023, 3,7% para 2024 e 3,3% para 2025.”

Balanço de riscos

Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, o BC cita uma maior persistência das pressões inflacionárias globais, a elevada incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e estímulos fiscais adicionais que impliquem sustentação da demanda agregada, e um hiato do produto mais estreito que o utilizado atualmente pelo Comitê em seu cenário de referência, em particular no mercado de trabalho.

Entre os riscos de baixa, são listados uma possível queda adicional dos preços das commodities internacionais em moeda local, a desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada, e manutenção dos cortes de impostos projetados para serem revertidos em 2023. “A conjuntura, particularmente incerta no âmbito fiscal, requer serenidade na avaliação dos riscos”, diz a carta.

Para o BC, há diferentes canais pelos quais a política fiscal pode afetar a inflação, não só por meio dos efeitos diretos na demanda agregada, como também via preços de ativos, grau de incerteza na economia, expectativas de inflação e taxa de juros neutra. “O Comitê (Copom) avaliou que mudanças em políticas parafiscais ou a reversão de reformas estruturais que levem a uma alocação menos eficiente de recursos podem reduzir a potência da política monetária.”

Roberto Campos Neto encerrou a carta destacando o comunicado e a Ata do Copom em sua última reunião, no qual o Comitê disse que se manterá vigilante, avaliando se a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período suficientemente prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação. “O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas. O Comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado.”

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Por: Roberto de Lira – InfoMoney

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