Copom ignorou pressão política e focou comunicado na deterioração das expectativas, dizem analistas

O Comitê de Política Monetária (Copom) tentou reforçar a mensagem de autonomia e independência do Banco Central num momento de forte pressão política por redução da taxa básica de juros, segundo análisesde agentes do mercado financeiro. Isso pode ser verificado não só pela decisão de manter a Selic em 13,75%, dentro esperado, mas especialmente pelo tom duro do comunicado, muito focado na deterioração das expectativas de inflação para este ano e os próximos.

Mirella Hirakawa, economista da AZ Quest, destaca que o comunicado foi bem mais “hawkish” que o aguardado, sem deixar margem para uma sinalização de corte na próxima reunião. Ela lembra que a palavra “expectativas” aparece no comunicado sete vezes, bem mais que nas declarações anteriores do BC.

No que poderia ser considerado o trecho mais suave (“dovish”) do texto, ela destaca a inclusão da preocupação com a concessão doméstica de crédito na parte baixista do balanço de riscos. A citação da queda nos preços das commodities cumpriu o mesmo papel, segundo Mirella.

Para Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital, houve uma mensagem importante no comunicado para quem estava projetando um início de cortes de juros a partir de junho. O BC, na verdade, manteve a estratégia de  dizer que manterá a taxa por um período prolongado e que não hesitará em retomar o ciclo de alta, caso necessário.

“A sinalização foi ‘hawkish’ porque, se BC estivesse próximo de um ciclo de corte de juros, não faria sentido ter uma comunicação que fala em alta.”

Ela cita ainda como ponto interessante na comunicação o destaque para evento de crédito internacional dos bancos. E também o risco de baixa fruto da desaceleração do crédito interno que vai além do ciclo monetário.

A Galapagos mantém a projeção que os juros devem começar a cair em setembro e que a taxa ao final do ano esteja em 12%.

Pressão deve aumentar

Rogério Freitas, gestor da XP Advisory, comentou no InfoMoney ao Vivo que, apesar de “hawkish”, a comunicação do BC veio numa dose correta de BC independente e autônomo, como tem sido a tônica dessa atual gestão.

Para ele, o BC reconheceu o estresse do setor bancário, o aperto da política monetária na economia global e a resiliência da inflação lá fora. E também teve o reconhecimento da piora da expectativa de inflação no Brasil, “em qualquer  horizonte, principalmente a longa”, comentou. “Não está havendo desaceleração que justifique um corte na taxa de juros”, analisou Freitas.

Para ele, a aprovação de um arcabouço fiscal razoável justificaria uma reancoragem das expectativas mas isso ainda é uma hipótese e o BC trabalha com dados.

“No balanços de riscos, teve piora em quase tudo desde o último Copom e não fazia sentido o BC entrar na narrativa de que tinha de sinalizar alguma coisa. O perigo aqui é o lado político. O que a gente vai ver é uma grita muito grande do governo e do lado político”, alertou. Ele acredita que o BC vai ter que se blindar muito porque a pressão vai crescer.

Na mesma live do InfoMoney no Youtube, André Kitahara, gestor macro da AZ Quest, afirmou ter se surpreendido porque esperava um comunicado mais “dovish”. No cômputo geral, a impressão dele é que preponderou a deterioração não só das expectativas de inflação, mas também as projeções da variação de preços pelo BC.

Kitahara acredita que é difícil o presidente Roberto Campos Neto ceder a alguma pressão política devido ao corpo técnico qualificado do BC. “Eles têm um método, têm todo um processo para tomar as decisões de política monetária.

Para o gestor da AZ Quest, é muito difícil agora que o BC faça um corte de juros na reunião de maio porque “a barra subiu”. Para junho, a decisão fica na dependência da evolução do cenário.

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Gustavo Bertotti, economista-chefe da Messem Investimentos, diz que o BC optou pela cautela, apesar das pressões do governo federal pela queda dos juros. ““O cenário macroeconômico vem se deteriorando, as questões fiscais e políticas, somado ao cenário externo, pesaram na decisão do BC”, afirma.

Para ele, o risco político vem aumentando e afetando as expectativas econômicas para os próximos anos. “Trabalhamos com um cenário em que juros continuarão altos por mais tempo, talvez com queda apenas no segundo semestre e em menor magnitude”,

Adauto Lima, economista-chefe da Western Asset, acredita que o comunicado deixou claro como as expectativas de inflação pioraram e que só deve haver uma mudança nessa ancoragem com a apresentação de uma política fiscal mais sólida, o que embute a aprovação de um arcabouço fiscal que dê previsibilidade para as contas públicas no longo prazo.

Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, avalia que o comunicado foi sóbrio, duro e que reforçou a independência do Banco Central, que se mostrou técnico e atento aos dados que ainda o obrigam a ser mais “hawkish” na política de juros.

“Na minha visão, o comitê foi na contramão das expectativas de agentes de mercado mais otimista, que esperavam um tom mais leve e até mesmo uma eventual antecipação de corte de juros para o curto prazo. O inverno continua e, segundo o Banco Central, vai ser longo”, analisa.

A análise da Órama Investimentos assinada pelo economista-chefe, Alexandre Espirito Santo, e pela analista de macroeconomia, Eduarda Schmidt, também destaca que o BC optou por manter o foco no balanço de riscos e na convergência das expectativas e ancoragem da inflação, a despeito da pressão política que vem sofrendo nos últimos meses.

“A maior expectativa para esse encontro estava relacionada ao comunicado. O mercado estava apreensivo por saber se haveria alguma ‘pista’ sobre as reuniões de maio e junho, agora que o Ministério da Fazenda sinalizou que o novo arcabouço fiscal está pronto para ser encaminhado ao Congresso, depois de passar pelo crivo do presidente”, lembra.

A análise salienta que não é de hoje que a diretoria do BC enfatiza em suas mensagens que os ruídos atrelados à política fiscal tendem a impactar, para pior, o juro neutro, as expectativas de inflação e o balanço de riscos em geral.

“O que vimos observando nas últimas semanas são questionamentos frequentes de autoridades e políticos sobre a independência do BC e o patamar da meta de inflação. Tais cobranças provocam efeitos deletérios sobre as expectativas, o que acaba sendo contraproducente, até porque, normalmente, o BC reage aos dados concretos, no lugar de especulações”, diz o comentário.

Rafael Cardoso, economista-chefe da Daycoval Asset, diz que o Copom se manteve fiel ao que vinha destacando em seus comunicados e, pela quinta vez seguida, manteve os juros no mesmo patamar, mesmo diante da forte pressão política pela redução da taxa de juros.

“O comunicado do Copom foi sóbrio porque reconhece novos riscos no radar que poderiam ser considerados baixistas para taxa de juros, como o risco financeiro externo e o possível aperto acima do esperado do crédito doméstico. Mass, pelo comunicado, não foram suficientes para o BC alterar o plano de voo neste momento reforçando o compromisso com as metas”, afirma Cardoso.

Para Débora Nogueira, economista-chefe de Tenax Capital, o comunicado não combina com corte de juros nas próximas duas reuniões. “Não é um comunicado que concede espaço para corte imediato, mas foi menos duro que ode fevereiro. Nossa expectativa segue de corte da Selic na reunião de agosto.”, prevê.

Para ela, houve até um aceno à Fazenda com o reconhecimento de que a reoneração dos combustíveis conseguiu reduzir a incerteza dos resultados fiscais no curto prazo. “A frase sobre a desancoragem da expectativa de inflação em prazos mais longos deve trazer de volta a discussão sobre o que deve ser o centro de inflação a ser perseguido.”

Na análise do Banco Inter, após a decisão de hoje e o tom do comunicado, a expectativa é que a Selic permaneça em 13,75% até junho. “Apesar da taxa de juros real ex-ante estar bastante restritiva, próxima de 8%, o impacto da potencial expansão de gastos fiscais e parafiscais continua sendo incorporado nas expectativas de inflação da pesquisa Focus”, diz texto assinado por André Valério e pela economista-chefe, Rafaela Vitória.

Segundo eles, o novo arcabouço fiscal, que deve ser apresentado em abril, pode criar as condições que o Copom necessita para iniciar o ciclo de corte na Selic. “Caso o arcabouço seja minimamente robusto e crível, ele será um importante aliado no controle das expectativas”, diz o Inter.

Em paralelo, os economistas dizem que o aperto no crédito doméstico pode impactar a atividade e resultar em uma queda da inflação maior que o esperado, também abrindo espaço para o início do afrouxamento monetário em meados do ano.

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Por: Roberto de Lira – InfoMoney

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