A Light (LIGT3) protocolou na Justiça seu pedido de recuperação judicial nesta sexta (12), com dívidas avaliadas em R$ 11 bilhões. A empresa protagoniza uma crise financeira há anos, agravada pelo impacto do furto de energia no Rio de Janeiro.
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Com a recuperação judicial da Light, os papéis da empresa serão excluídos dos índices da Bolsa de Valores na próxima segunda (15).
Nesta sexta, as ações da Light encerraram o pregão com uma queda de 17,20%, ao preço de R$ 3,85. A seguir, confira os principais tópicos que explicam a crise na empresa de energia elétrica do Rio de Janeiro:
O que aconteceu com a Light?
A Light pediu recuperação judicial nesta sexta (12), com dívidas superiores a R$ 11 bilhões. Há anos, a empresa enfrenta uma crise financeira, mas os últimos capítulos deste imbróglio começaram no mês passado, quando a 3º Vara Empresarial do Rio de Janeiro autorizou a suspensão temporária do vencimento das dívidas da empresa.
Essa “proteção jurídica” tinha validade de 30 dias, que poderiam ser prorrogados por mais 30 dias. Na ocasião, a empresa afirmou que a medida cautelar tramitava em segredo de Justiça.
Por que a Light está em crise?
De acordo com as analistas da XP Camilla Dolle, Mayara Rodrigues e Natalia Moura, um dos principais motivos para a crise da Light é a área de atuação complexa da empresa.
“A sua atuação em termos geográficos é um dos pontos mais relevantes sobre a empresa. Devido às complexidades socioeconômicas do Rio de Janeiro, há um alto nível de perdas de energia na área de concessão da Light, que é uma das mais difíceis do país em termos operacionais, resultantes principalmente do elevado furto de energia (“perdas não técnicas”) e regiões marcadas por violência urbana”, explicam as especialistas.
Dessa forma, a Light não consegue atingir os níveis regulatórios determinados pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). Como consequência, a empresa é penalizada nas tarifas, por meio de fatores redutores nos reajustes e nas revisões periódicas.
Somada a essas perdas, a empresa foi obrigada pela Aneel a devolver créditos fiscais relacionados à cobrança de PIS/COFINS dos consumidores finais.
“A companhia começou a devolver os créditos em 2021: R$ 374,2 milhões no reajuste de 2021 e de R$ 1,05 bilhão no reajuste de 2022. Ao final de dezembro de 2022, houve revisão tarifária extraordinária de -5,89%, relacionadas à devolução. Em 2023, há montante expressivo a ser ressarcido aos clientes. A devolução é realizada pelo desconto nas tarifas, o que afeta diretamente o faturamento da Light“, detalha o trio.
O combate às perdas, que requer volumes relevantes de investimentos por parte da companhia, além da inadimplência, são entraves à redução do endividamento e alavancagem.
Light poderia mesmo pedir recuperação judicial?
Pela legislação brasileira, concessionárias de serviços públicos de energia não podem pedir recuperação judicial. “O art. 18 da Lei nº 12.767/2012 estabelece que os regimes de recuperação judicial e extrajudicial não se aplicam às concessionárias de serviços públicos de energia elétrica”, destacou a Aneel em nota à imprensa.
A concessionária de energia é a Light Serviços de Eletricidade S.A., subsidiária da holding Light S.A.. Ou seja, quem pediu recuperação judicial não foi a distribuidora Light (que não pode usar esse instrumento legal), mas sim o grupo que administra a distribuidora Light. Porém, especialistas apontam que as proteções da “empresa-mãe” podem ser estendidas para a “empresa-filha”, conforme as próximas decisões judiciais.
Por que a companhia optou por esse caminho?
No comunicado publicado na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Light afirmou que realizou avanços nas negociações em torno da sua situação econômico-financeira, mas a situação se agravou, “o que demanda a tomada urgente de outras medidas que possam protegê-las até que seja possível implementar o referido equacionamento do seu endividamento e a readequação da sua estrutura de capital, com a proteção e manutenção dos serviços prestados no âmbito das concessões de titularidade do Grupo Light, a continuidade no estrito cumprimento das obrigações intrasetoriais, a preservação de valor e a promoção de sua função social, sendo que o ajuizamento do pedido de Recuperação Judicial.”
E conclui: “Com obrigações de cerca de R$ 11 bilhões, [o pedido de recuperação judicial] revela-se, neste momento, como a medida mais adequada para a persecução de tais objetivos”.
O que crime organizado tem a ver com isso?
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, um dos motivos para a crise na Light é o crime organizado. Explica-se: 20% da área de cobertura da empresa está localizada em espaços dominados pelo narcotráfico e pelas milícias.
Segundo o veículo, em alguns pontos do Rio de Janeiro, a milícia chega a usar a energia da Light, mas faz com que o consumidor final pague a tarifa aos criminosos e não à empresa.
Em outras áreas onde a ligação é da Light, a milícia chega a cobrar uma taxa extra, o que incentiva o consumidor a preferir a operação ilegal do que a oficial. Porém, quanto mais dinheiro a Light perde nessa operação, maiores são os custos que precisam ser rateados entre os pagantes, deixando a conta de luz mais cara para os demais consumidores.
Charles Putz, membro do Conselho de Administração do IBEF-SP (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças), comenta: “A Light enfrenta desafios significativos, sendo o mais antigo e persistente o roubo de energia, um problema endêmico no Rio de Janeiro que tem se intensificado ao longo do tempo, agravando as dificuldades da empresa. A solução para este problema ultrapassa a esfera de atuação da Light, exigindo um esforço conjunto de várias partes interessadas.”
Ele complementa: “Um desafio adicional, que pode repercutir não só na Light, mas em outras empresas de diversos setores, advém da recente e acentuada elevação das taxas de juros. A Light, já altamente endividada e, com uma geração de caixa líquido insuficiente, enfrenta dificuldades não só para rolar ou pagar suas dívidas à medida que vencem, mas até mesmo para cumprir com os pagamentos dos juros da dívida. Além disso, há uma incerteza significativa em relação à renovação das concessões da empresa.”
O que a empresa disse sobre o caso?
Em entrevista ao jornal O Globo, o presidente da Light S.A., Octavio Lopes, afirmou que já teve conversas com os credores e que ficou claro que “uma reestruturação 100% extrajudicial não seria possível”.
“A questão é que, embora as concessionárias sejam empresas segregadas, a dívida não é. Todo o endividamento passa pela holding (Light S.A.), que é codevedora de toda a dívida. Assim, o que acontece com uma subsidiária impacta na outra. Então, precisamos de proteção judicial por que não temos dinheiro para cumprir o cronograma de pagamento de dívidas previsto em contrato”, disse Lopes.
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O que esperar daqui para frente?
No documento publicado na CVM, a companhia afirmou que confia na sua capacidade operacional e comercial para seguir operando e solucionar essa crise.
“A companhia mantém e reafirma a confiança em sua capacidade operacional e comercial para a negociação e aprovação de um plano de recuperação que lhe permita implementar o pretendido equacionamento e, com isso, restabelecer o seu equilíbrio econômico-financeiro, em benefício do próprio Grupo Light, de seus acionistas, colaboradores, credores e demais stakeholders“, ressaltou a empresa.
O que vai acontecer com as ações da Light?
Segundo a B3, após o pregão de segunda (15), as ações da Light serão excluídas dos índices IBRA, IEEX, IGCT, IGCX, IGNM, ISEE, ITAG, SMLL e UTIL ao seu preço de fechamento naquele dia.
A tendência é de que as ações caiam nas próximas semanas. De acordo com o mapeamento do Status Invest, nos últimos doze meses, as ações da Light desabaram 48,75%. Confira o gráfico:
O governo se pronunciou sobre o assunto?
Em nota, a ANEEL afirmou que monitora o caso e explicou sua atuação neste momento. Confira o posicionamento na íntegra:
A ANEEL esclarece que o pedido de recuperação judicial foi interposto pela Light S.A. (holding) e não pela Light Serviços de Eletricidade S.A. (distribuidora). O art. 18 da Lei nº 12.767/2012 estabelece que os regimes de recuperação judicial e extrajudicial não se aplicam às concessionárias de serviços públicos de energia elétrica.
Informamos que nenhuma obrigação intrassetorial teve seus pagamentos suspensos ou postergados, o que inclui contratos da distribuidora com geradoras, transmissoras e o pagamento dos encargos setoriais. Também estão preservadas integralmente as obrigações com fornecedores de serviços, equipamentos, mão de obra e funcionários.
A atuação administrativa e judicial da ANEEL se dará no sentido de proteger o interesse público, assegurando a prestação adequada do serviço de distribuição de energia elétrica e o equilíbrio econômico-financeiro da concessão, nos termos do Contrato de Concessão assinado e vigente até 4 de junho de 2026.
Na esfera administrativa, a Distribuidora vem sendo monitorada pela Agência em regime diferenciado de acompanhamento de seus indicadores econômico-financeiros, por meio de um Plano de Resultados, no qual a Light pactua com a ANEEL as ações necessárias para assegurar a sustentabilidade da concessão.
Nesse contexto, a ANEEL seguirá monitorando as condições econômico-financeiras da Distribuidora, inclusive quanto à adimplência com todas as obrigações intrasetoriais, e adotará as medidas necessárias, preventivas e/ou coercitivas, para assegurar a prestação adequada do serviço de distribuição de energia elétrica na área de concessão da Light.
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Por: Erick Matheus Nery – Suno