As operadoras de telecomunicações Claro, Vivo (VIVT3) e Copel/Ligga Telecom já estão pagando uma alíquota menor de ICMS em seus serviços de telefonia móvel, internet e TV a cabo em alguns estados, mas não estão repassando a desoneração aos seus clientes. A pergunta que fica é: para onde está indo o dinheiro do “alívio tributário”?
Para mostrar o problema, o InfoMoney compilou contas das 3 operadoras em 4 estados diferentes: Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e São Paulo.
Em todos eles as novas alíquotas do ICMS, que variam entre 17% e 18%, já estão em vigor entre o final de junho e o começo de julho. As faturas com vencimento em agosto já mostram essa redução no imposto pago, mas o preço cobrado dos clientes permaneceu inalterado.
Em uma conta de internet da Vivo, de uma cliente de São Paulo, o ICMS pago diminuiu R$ 5,67 de julho para agosto, mas ela pagou os mesmos R$ 80,99 pelo serviço em ambos os meses. Em uma outra conta de internet do mesmo estado, mas da Claro, o imposto pago foi R$ 4,76 menor de um mês para o outro, mas a conta também continuou no mesmo valor (R$ 129,99).
Procuradas pela reportagem, Claro e Vivo disseram em comunicado que vão repassar a redução do ICMS aos clientes. Mas nenhuma das operadoras respondeu como o procedimento será feito e nem se o valor que está sendo cobrado a mais será devolvido. Ambas citaram dificuldades operacionais e não responderam qual será o prazo para concluir os processos.
“A Claro mantém seu compromisso de repassar aos seus clientes o benefício da redução do ICMS. No entanto, a conclusão das adaptações sistêmicas necessárias requererá um pequeno período de transição”, disse a empresa.
Já a Vivo afirmou que “a redução da carga tributária do ICMS será totalmente repassada ao consumidor”. “A partir de agosto, os clientes já poderão adquirir ou migrar para os planos com as novas condições comerciais, que será ampliada para toda a base no menor prazo possível”.
Diferença de até 11%
A maior diferença foi encontrada em uma conta de internet da Copel/Ligga Telecom, no Paraná: a alíquota do ICMS caiu de 29% na conta de julho para 18% na de agosto, o que fez com que o imposto pago diminuísse de R$ 57,97 para R$ 35,98 em um mês (uma redução de R$ 21,99). Mas o preço da conta permaneceu os mesmos R$ 199,90.
Caso essa diferença tivesse sido repassada ao cliente, a conta de internet teria uma redução de 11% (de R$ 199,90 para R$ 177,91). Calculado de outra forma, é como se a Copel/Ligga Telecom tivesse reajustado o preço do serviço em mais de 12% sem avisar o consumidor.
Procurada pela reportagem, a Copel disse que vendeu seu braço de telecomunicações, em novembro de 2020 e que a conclusão da operação ocorreu há mais de um ano. A Ligga Telecom, que assumiu a operadora, não respondeu até a publicação desta reportagem aos questionamentos enviados.
A redução no ICMS pago aconteceu até mesmo em contas em que a base de cálculo de arrecadação aumentou (e também nesses casos o benefício não foi repassado ao consumidor).
Em uma conta de internet e TV a cabo da Claro, em Santa Catarina, a base de cálculo aumentou de R$ 130,47 para R$ 150,41 entre julho e agosto, mas o ICMS pago caiu de R$ 32,62 para R$ 25,57 — uma diferença de R$ 7,05 — porque a alíquota foi reduzida de 25% para 17% no estado.
Em outra conta de internet e TV a cabo, também da Claro mas em Minas Gerais, a base de cálculo do imposto aumentou de R$ 247,63 para R$ 349,09 entre um mês e outro, e mesmo assim o ICMS pago caiu, de R$ 66,85 para R$ 62,85 — uma diferença de R$ 4 que também não foi repassada. No estado, a alíquota era 27% e foi reduzida para 18%.
Menos ICMS = tarifa maior
“Na prática, a tarifa aumentou. Se a operadora está pagando menos imposto, mas o cliente está pagando o mesmo valor, ele está pagando uma tarifa maior pelo mesmo serviço”, afirma Renata Emery, advogada tributarista do escritório Tozzini Freire Advogados. “Houve um aumento de tarifa, porque a prestação de serviço continuou a mesma”.
“A diferença foi para a margem da empresa, tanto é que a base de arrecadação do PIS/Cofins aumentou”, diz Emery ao analisar uma das contas de internet da Vivo. “Se [a diferença] foi para a base do PIS/Cofins, é porque aumentou a tarifa. Se aumentou a tarifa, o consumidor foi comunicado? Se não foi comunicado, é um aumento abusivo”.
“Na minha concepção, as empresas que não repassaram essa queda no ICMS [para o consumidor] fizeram um reajuste”, afirma o também advogado tributarista Mauricio Terciotti, do escritório Terciotti, Andrade, Gomes e Donato Advogados. “De certo ponto, compensa para as companhias. Eles estão cobrando mais de todo mundo, e cada uma dessas grandes [operadoras] têm 30 milhões de clientes. Quantos desses clientes vão questionar?”.
Terciotti afirma que não há muito o que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) possa fazer. “Como o mercado tem uma precificação livre, fica difícil a Anatel interferir nisso, na precificação das empresas. A não ser que ela considere que está tendo algum tipo de abuso”.
Anatel diz que preços são livres
Questionada pelo InfoMoney, a Anatel afirmou inicialmente que tinha poder “para determinar o repasse da redução de impostos diretamente para a tarifa paga pelos consumidores” apenas na telefonia fixa, que opera no regime de concessão (veja a resposta completa no fim da reportagem).
“Para os demais serviços (telefonia móvel, banda larga e televisão por assinatura), a Anatel atua no monitoramento dos preços reportados pelas operadoras à agência”. “A competência legal da Anatel não inclui determinar a adoção de um percentual de redução, uma vez que os preços para o consumidor final são livres. A Anatel pode, por outro lado, monitorar os preços praticados e, detectados eventuais abusos, atuar para a sua repressão”.
Posteriormente, ao ser informada sobre os casos que mostram que as teles não estavam repassando a queda do ICMS aos consumidores, a Anatel afirmou que “apura os fatos relacionados ao tema e, em seguida, adotará as ações necessárias, no momento oportuno”. “A Anatel reitera que os canais de comunicação da agência estão abertos para receber diretamente as demandas dos usuários sobre o assunto”.
Quem paga a conta?
O Congresso Nacional aprovou em junho, há quase 2 meses, um projeto de lei que passava a considerar bens e serviços relacionados a combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transporte coletivo como essenciais. Com isso, os 26 estados e o Distrito Federal ficariam proibidos de cobrar uma alíquota acima da mínima (que é de 17% ou 18%, dependendo da Unidade da Federação). Dias depois, a lei foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).
No caso dos combustíveis, que era o maior motivo de preocupação do governo federal (e de insatisfação popular), a redução foi quase imediata.
Mas os estados estão recorrendo à Justiça para compensar a queda que terão na arrecadação, já que o ICMS é a maior fonte de receitas dos governadores, e combustíveis, energia elétrica e telecomunicações são as três maiores fontes de arrecadação de ICMS (o estado de São Paulo diz, por exemplo, que a perda de arrecadação só com energia elétrica e telecomunicações será de R$ 9,3 bilhões por ano).
Os estados estão conseguindo liminares para abater essa perda de arrecadação do pagamento da dívida que têm com a União (o que, na prática, faz com que o governo federal arque com a desoneração do ICMS). No caso das teles, que estão absorvendo esse valor, é como se a União estivesse dando dinheiro diretamente às empresas.
“É um péssimo negócio. O consumidor não foi beneficiado, o estado saiu perdendo, a união saiu perdendo. No fundo, quem está ganhando um presente são as empresas de telecomunicações”, resume a tributarista Renata Emery. “É o pior dos mundos. O benefício não chega em quem deveria chegar e fica com quem não deveria. É uma distorção”.
Consumidor: o que fazer?
O consumidor tem diferentes caminhos para denunciar o descumprimento da redução de ICMS nos serviços de telefonia móvel, internet e TV a cabo. O primeiro passo é procurar o Procon (órgão especializado nas questões de consumo) do estado em que vive.
Os especialistas consultados recomendam que o consumidor tenha as contas em mãos, que servirão de prova para a abertura de uma apuração administrativa contra as empresas. O passo seguinte, caso a situação não seja resolvida administrativamente, é a Justiça. Os Juizados Cíveis concentram esse tipo de ação.
A Anatel também diz que apura “os fatos relacionados ao tema e, em seguida, adotará as ações necessárias, no momento oportuno”. Quanto às reclamações dos consumidores, a agência afirmou que seus canais de comunicação estão abertos para “receber diretamente as demandas dos usuários sobre o assunto”.
Os contatos com a Anatel podem ser realizados pelos seguintes meios:
- telefone: por meio de ligação para o número 1331
- internet: https://www.gov.br/anatel/pt-br/consumidor/quer-reclamar/reclamacao
- aplicativo Anatel Consumidor, disponível para os sistemas Android e IOS
“Reiteramos que as informações obtidas diretamente a partir da interação com os usuários das empresas de telecomunicações são fundamentais para auxiliar o órgão regulador a planejar suas futuras ações. Para maiores detalhes sobre funcionamento dos canais, procedimentos e, também, índices de solução do atendimento da Anatel, sugerimos consulta ao link: https://www.gov.br/anatel/pt-br/consumidor/quer-reclamar/reclamacao“, disse, por nota, a agência.
Posicionamento das empresas
Claro
“A Claro irá repassar a redução do ICMS para os clientes e, no momento, está em fase de fechamento de ajustes para que essa operação seja possível.”
“A Claro mantém seu compromisso de repassar aos seus clientes o benefício da redução do ICMS. No entanto, a conclusão das adaptações sistêmicas necessárias requererá um pequeno período de transição. E estas adaptações se tornam ainda mais complexas na medida que a adesão dos estados às novas alíquotas tem ocorrido em tempos distintos.”
Vivo
“A Vivo informa que a redução da carga tributária do ICMS será totalmente repassada ao consumidor. O desenvolvimento técnico, de múltiplos sistemas e com processamento plano a plano, teve início em julho, assim que os primeiros estados realizaram a divulgação das novas alíquotas. A empresa ressalta que, a partir de agosto, os clientes já poderão adquirir ou migrar para os planos com as novas condições comerciais, que será ampliada para toda a base no menor prazo possível. A Vivo segue acompanhando a adesão dos estados restantes para realizar a adaptação sistêmica.”
Copel/Ligga Telecom
A empresa não respondeu aos questionamentos enviados até a publicação desta reportagem.
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Por: Lucas Sampaio – InfoMoney