Mais um ingrediente de risco fiscal em meio ao cenário de já forte aversão ao risco no mercado. Foi assim que os investidores viram a aprovação da PEC 1/2022 em dois turnos no Senado, a chamada PEC dos Benefícios ou dos Auxílios, na noite de quinta-feira (30) da semana passada.
A medida (i) eleva o valor mensal do Auxílio Brasil, de R$ 400 para R$ 600 (e também elimina a lista de espera para o benefício); (ii) aumenta o valor do vale gás de cozinha; (iii) estabelece um vale temporário de R$ 1.000 para caminhoneiros; (iv) compensa os estados pela gratuidade dos idosos no transporte público, (v) implementa um programa de apoio temporário para os motoristas de táxi até o final do ano, (vi) aumenta os recursos para o programa Alimenta Brasil, que combate a insegurança alimentar e, finalmente, (vii) visa abordar a questão da competitividade do etanol através do reembolso aos estados das reduções de impostos sobre o combustível.
Ela surpreendeu negativamente o mercado, pelos R$ 2,5 bilhões incluídos na última hora pelo governo, destaca em nota a casa de research Levante Ideias de Investimentos. Os gastos somam R$ 41,25 bilhões, e ficam fora do teto de gastos.
“A constante abertura de exceções à âncora fiscal aumenta a insegurança dos agentes – que, na sexta-feira especificamente, não se traduziu em mais prêmios no mercado de juros, mas teve consequências no câmbio (fechou em R$ 5,3220, maior cotação desde fevereiro)”, aponta a Levante.
“O resultado é mais uma medida que fragiliza o teto do gasto público e, consequentemente, (gera) aumento do risco fiscal do país. Com o aumento do risco fiscal, a tendência de valorização da taxa de câmbio [alta do real] que começou no início de 2022 se reverteu”, disseram em nota analistas da Genial Investimentos.
Para a Levante, se houve uma notícia positiva, foi o ajuste no texto que limita o potencial de novos gastos a serem incluídos no decreto de estado de emergência da PEC.
Depois de aprovada no Senado, a PEC chega à Câmara dos Deputados e deve avançar ainda nesta semana. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), já assinou despacho para apensar o texto à PEC dos Biocombustíveis (15/2022), que já está em fase de discussão em comissão especial.
O relator do texto na Casa, o deputado Danilo Forte (UB-CE), já sinalizou que deve propor algumas alterações no texto aprovado pelo Senado, destaca a Levante. Uma delas diz respeito à supressão da expressão “estado de emergência” da matéria, a fim de afastar as críticas sobre a aplicação de tal dispositivo de maneira indiscriminada.
Em segundo lugar, o deputado pretende colocar no vale-combustível – concedido, a princípio, apenas para caminhoneiros e taxistas – a classe de motoristas de aplicativo. O grande empecilho para o grupo é a falta de cadastro de todos os trabalhadores no sistema público. Ainda não se sabe, também, qual seria o custo fiscal exato decorrente da inclusão da categoria no rol de benefícios.
Por outro lado, o líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PR), afirmou na última sexta (1) que a intenção do Executivo é que a PEC seja votada em plenário antes mesmo do recesso parlamentar e mantendo o texto aprovado pelos senadores. Somente assim – à exceção da possibilidade de separação da PEC com as mudanças elencadas em outro eventual texto – seria possível já promulgar a matéria com a celeridade desejada pelo governo.
A Levante aponta que o calendário prevê mais duas semanas, exatamente, até o início do recesso parlamentar (18). “Já houve, no passado, exemplos (a PEC dos Precatórios é o mais recente) que demonstram ser provável a aprovação do texto antes do fim dos trabalhos legislativos deste primeiro semestre. Em função do apelo da proposta e da articulação política dos principais líderes do governo na Câmara, nosso cenário-base prevê aprovação da PEC dos Benefícios Sociais nas próximas duas semanas”, avalia.
Há, porém, risco relevante de novos aumentos do custo fiscal da proposta, reforçam os analistas da casa. Tanto a oposição quanto outros deputados ligados a diferentes grupos organizados da sociedade civil devem pressionar pela concessão de maiores benefícios, como o vale-gasolina para os motoristas de aplicativo.
Em relatório, o Bradesco destacou que a PEC aprovada pelo Senado impõe o risco de um déficit primário no ano.
“Há um avanço de pautas que ampliam desonerações e dispêndios governamentais, o que reduz a probabilidade de um superávit primário neste ano. Algumas medidas devem ficar restritas a 2022, mas outras têm caráter permanente, com consequências para a trajetória da dívida pública”, diz o relatório mensal de macroeconomia do banco, assinado pelo economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato Barbosa.
O Bradesco observa que o aumento dos juros nos países desenvolvidos e o quadro fiscal mais desafiador levaram a uma intensa depreciação do real no último mês. Apesar disso, o banco manteve as projeções para o dólar no fim de 2022 e 2023, de R$ 5,0.
“Nosso cenário base pressupõe o estabelecimento de uma política fiscal consistente para os próximos anos, capaz de inverter o crescimento da relação dívida/PIB”, diz o texto.
Revisões para baixo para inflação em 2022, mas não para 2023
Tanto Bradesco quanto Levante reforçam que, apesar do alívio de curtíssimo prazo na inflação, as projeções de cenários inflacionários para o futuro não tiveram uma melhora significativa.
“Há a expectativa que boa parte das benesses, sem contrapartida fiscal, sejam devolvidas nos próximos anos. Os riscos em relação ao cenário fiscal por parte do governo, com medidas populistas, começam a crescer conforme o período eleitoral se aproxima. Por isso, as projeções para a Selic continuam com viés de alta“, avalia a Levante.
O Bradesco reduziu a sua projeção para a inflação deste ano medida pelo IPCA de 9% para 7,5%. “Tal mudança é reflexo das renúncias anunciadas recentemente – caso da lei que limita a cobrança de ICMS sobre combustíveis, energia, transporte coletivo e telecomunicações – e não uma alteração do quadro inflacionário, que ainda requer atenção”, destaca o banco.
O pico da inflação acumulada em doze meses deve ter sido em abril, quando o IPCA atingiu 12,1%, avalia. Mas a queda deverá ser lenta, isso porque os núcleos seguem pressionados. A inflação de serviços, cuja inércia é mais elevada, está em aceleração, e a dinâmica do mercado de trabalho não mostra arrefecimento no curto prazo. “Os impostos federais sobre gasolina e etanol devem retornar em janeiro do próximo ano, adicionando mais alguns pontos na inflação. Dessa forma, o IPCA deve terminar o próximo ano em 4,9%”, aponta o banco.
Na mesma linha, incorporando o impacto da redução das alíquotas de ICMS sobre combustíveis, energia e telecomunicações, bem como outras medidas relacionadas ao tema, o Itaú revisou sua projeção para o IPCA deste ano de 8,7% para 7,5%.
Já para 2023, mantém a projeção do índice em 5,6%. “Vemos um balanço de riscos para a inflação equilibrado, uma vez que a menor inflação em 2022 pode ter impacto inercial baixista, mas, por outro lado, a piora fiscal traz risco altista via
aumento de outros impostos no próximo ano, bem como piora nas expectativas de inflação”, avaliam os economistas.
Para Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs, para além da preocupação justificada com o impacto social da alta da inflação e dos preços dos combustíveis, as medidas anunciadas irão, em alguns casos, conduzir a uma má alocação de recursos na economia e poderão ter um impacto duradouro nas finanças públicas. Ele, por sua vez, vê como altamente improvável que muitas das medidas anunciadas sejam revertidas em janeiro de 2023.
“A receita fiscal transitória de curto prazo da alta inflação e dos preços das commodities está sendo usada em grande medida para validar gastos extras (em um ano eleitoral) em vez de acelerar os ajustes fiscais que provavelmente teriam gerado dividendos econômicos e sociais no médio prazo”, destacou em nota.
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Por: Equipe InfoMoney – InfoMoney