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Defesa contra preços de energia na Europa eleva risco de crise de dívida soberana

Está ligado hoje na Europa uma alerta piscante de uma nova crise de dívida soberana. O motivo é que, mesmo antes de se recuperar dos gastos extras com a pandemia de covid-19, os governos do continente estão sendo obrigados a despejar bilhões de euros em medidas para proteger os consumidores do impacto que a crise energética tem trazido ao custo de vida no continente.

No final de setembro, a Fitch Ratings alertou que um corte quase completo do transporte de gás russo pelo gasoduto Nord Stream 1 desencadearia recessões na Zona do Euro e no Reino Unido em 2003, de 0,1% e 0,2%, respectivamente.

O Eurostat, escritório de estatísticas da União Europeia, comunicou nesta semana que a inflação de setembro na Zona do Euro bateu nos 9,9%s, com os preços de energia subindo 40,7% ante o mesmo mês de 2021.

Segundo cálculos do Bruegel, um “think tank” sediado em Bruxelas, mais de 300 bilhões de euros já foram anunciados desde o final do ano passado no continente para mitigar os efeitos dessa conta, incluindo auxílios em dinheiro para famílias, medidas para limitar os preços do gás e da eletricidade e resgate de empresas de energia em dificuldades.

Uma preocupação extra é que as ajudas diretas aos consumidores, além de elevar o endividamento, podem fortalecer a demanda interna e atrapalhar as ações do Banco Central Europeu (BCE) no sentido de combater a inflação ascendente. “É como jogar gasolina no fogo e tentar apagar com um pano”, compara Luiz Guilherme Schymura, diretor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

O grande problema é que os gastos anunciados nos últimos meses se somam à resposta contra a pandemia de covid-19, que já elevou a dívida pública de praticamente todos os países da região. No primeiro trimestre de 2022, a dívida da Grécia em relação ao PIB havia atingido 189%, ante 153% na Itália, 127% em Portugal, 118% na Espanha e 114% na França. Na média da Zona do Euro, a relação dívida/PIB do primeiro trimestre do ano estava estacionada em 95,6%.

Regras draconianas

Discussões sobre como gerenciar a dívida pública na Europa são históricas. As regras fiscais consagradas nos documentos que fundaram a união monetária do continente, no Tratado de Maastricht de 1992, exigiam que os membros (existentes e futuros) mantivessem a dívida abaixo de 60% do PIB e os déficits públicos num patamar não superior a 3% do Produto Interno Bruto.

Em 1997, o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), aprofundou as regras, mas as críticas de que havia pouca flexibilidade para atuar durante períodos de recessão permaneceram. Nas crise financeiras a partir de 2008 isso ficou mais crítico. A Grécia, por exemplo, teve políticas fiscais restringidas por condicionalidades dos programas de empréstimos europeus e do FMI. França e Itália passaram pelo mesmo em relação ao PEC e a Alemanha também precisa constantemente equilibrar as exigências do bloco o com suas regras internas.

O “think tank” European Policy Centre (EPC) avalia que muitos países altamente endividados não conseguiram reduzir seus índices de endividamento após a crise da Zona do Euro, entre 2011 e 2013, apesar de terem melhorado substancialmente o cumprimento dos critérios de déficit e gastos. Essas nações não possuem amortecedores fiscais para os tempos econômicos relativamente bons e continuam a atuar de maneira pró-cíclica.

Há uma discussão no momento de como tornar as ajudas solidárias na União Europeia. Willem H. Buiter, consultor econômico independente que já foi membro do Comitê de Política Monetária do Banco da Inglaterra (BoE, na sigla em inglês), sugeriu num artigo recente que uma maneira de evitar uma crise de dívida soberana na Zona do Euro seria socializar os déficits dos estados membros fiscalmente mais fracos, tornando permanente o NextGenerationEU.

Esse programa de financiamento de emergência, no valor de 750 bilhões de euros, foi criado para ajudar a lidar com os efeitos da pandemia de covid-19. A ideia seria aumentar os recursos em cerca de 3% do PIB – € 450 bilhões (US$ 445 bilhões). Mas ele próprio admitiu que isso é politicamente improvável.

Nem todos acreditam nessa solução solidária. Jaime Valdivia, economista chefe da Galapagos Capital escreveu num relatório da semana passada que é um engano pensar que a “mutualização” da dívida – que na prática significaria passar a responsabilidade para o contribuinte alemão – resolverá os problemas do continente. “A Europa teve 10 anos para resolver seus problemas fiscais e nunca o fez”, comentou.

Cada um por si

O que está imperando mesmo são respostas individualizadas. No final de setembro, O chanceler alemão, Olaf Scholz, elevou em 200 bilhões de euros o que chamou de “escudo defensivo” à crise energética. O governo já havia alocado 100 bilhões desde setembro de 2021 em vários programas de proteção a empresas e consumidores.

Já a França, país que tem como fonte primária a energia nuclear e é exportadora de energia para outros países, lançou um grande programa nacional de redução de consumo de energia para o inverno próximo. Mas não deixou de alocar mais de 70 bilhões em auxílios internos.

Ou seja, o tipo e o tamanho das respostas políticas à crise energética estão relacionados à capacidade que cada país tem para gastar e ao grau de dependência de cada um às importações russas. Mas a crise tende a se agravar devido à chegada do inverno no continente, em dezembro, e isso tem trazido mais tensões à relação interna na UE.

Isso ficou claro no início de outubro numa reunião do Comunidade Política Europeia realizada em Praga. Países como a Itália reclamaram que ações individualizadas praticadas pelas economias mais fortes, como a Alemanha e França, vão trazer uma vantagem injusta dentro do bloco.

A Comissão Europeia já propôs um imposto sobre as empresas de energia que poderia arrecadar mais de 140 bilhões de euros e servir como colchão para os programas de ajuda. Mas até agora não ficou claro se isso teria apoio por todos os países. Sem contar que cobriria apenas uma parcela dos custos necessários.

Proposta do FMI

Daí, surgem propostas de como flexibilizar os limites de gastos sem desmoralizar de vez as regras fiscais da UE. O Fundo Monetário Internacional (FMI), sugere uma solução baseada no risco de cada país. Os de alto risco fiscal seriam obrigados a aprovar tetos de gastos consistentes com um saldo geral zerado ou positivo no médio prazo (três a cinco anos).

Já os países com riscos fiscais que não são avaliados como altos, e com dívida abaixo de 60% do PIB, teriam mais flexibilidade, mas ainda precisariam considerar os riscos fiscais ao formular seus planos de médio prazo. Isso, segundo o Fundo, reduziria vulnerabilidades da dívida e ajudaria na construção de amortecedores em tempos bons, abrindo espaço para uma política anticíclica em épocas de crise – dentro do teto do déficit de 3% do PIB.

A segunda parte da proposta do FMI seria que todos os países membros do bloco aprovassem quadros orçamentais de médio prazo consistentes com as regras da UE. Por último, a criação de uma capacidade fiscal da UE financiada pela emissão de dívida comum, e um fluxo de renda para pagar essa dívida.

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Por: Roberto de Lira – InfoMoney

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