O comerciante Cícero Severiano Ribeiro, 50, parou na hora do almoço na última quarta-feira (7) em um trailer que vende salgados, no terminal de ônibus da Vila Mariana, na zona sul de São Paulo. Pediu um salgado, um suco e gastou R$ 6. “Adoro comer essa coxa (creme) de frango.”
Além de ser atraído pelo sabor do salgado, o comerciante conta que vem mudando os hábitos: antes da pandemia, comia arroz com feijão todo dia; agora, almoça o tradicional prato feito duas a três vezes na semana e nos demais dias opta por um salgado e um suco.
A mudança ocorreu por causa da correria do dia a dia e, principalmente, para economizar. “Os tempos se tornaram mais difíceis.”
A conta de quanto Ribeiro economiza ao almoçar um salgado é simples: um prato feito com arroz, feijão e carne não sai por menos de R$ 25 na região onde trabalha, o equivalente a três dias almoçando salgado e suco.
O comerciante é um entre os milhões de brasileiros que, depois da pandemia, trocaram o prato feito pelo salgado nas refeições fora de casa. Esse movimento foi detectado pela consultoria Kantar, que monitora o consumo fora de casa de alimentos e bebidas em sete regiões metropolitanas do Brasil.
Comida x salgado pronto
Em 2022, os brasileiros que vivem nessas regiões consumiram 170 milhões salgados prontos a mais (quibe, coxinha, pão de queijo e pastel, por exemplo), na comparação com 2019, antes da pandemia. Já o consumo de refeições, com arroz, feijão e carne, diminuiu em 247 milhões de unidades.
Para chegar ao número de unidades, que expurga o efeito da inflação, a consultoria monitorou diariamente, por meio de aplicativo, o consumo de alimentos e bebidas fora de casa de 4 mil adultos. Eles representam o comportamento de 48 milhões de pessoas que vivem nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio, Recife, Salvador, Fortaleza, Curitiba e Porto Alegre.
Por outra métrica, o estudo da Consumer Insights mostra que os salgados prontos respondiam em 2019 por 11% do total de unidades de alimentos e bebidas consumidas fora de casa. Em 2022, essa fatia subiu para 15%. Nesse período a participação das refeições encolheu de 7% para 4%.
“O salgado pronto ganhou tanto destaque que se tornou no ano passado o segundo alimento mais consumido fora de casa e o alimento salgado mais consumido”, afirma Hudson Romano, responsável pela pesquisa e gerente sênior de consumo fora do lar.
O salgado ocupava a quarta posição entre os alimentos mais consumidos fora de casa e subiu para a segunda colocação em 2022, passando à frente de sanduíches e pizzas (e perdendo apenas para os snacks doces, que continuaram na liderança nos dois períodos analisados).
Inflação no bolso
O salgado pronto e o salgadinho de pacote foram os únicos alimentos fora de casa cujo consumo aumentou nesses três anos (alta de 18% e 4% nos volumes, respectivamente). Já a quantidade consumida de refeições despencou 43%.
O motivo do recuo e da troca da refeição pelo salgado foi a inflação, segundo Romano. Enquanto o preço da refeição aumentou 21% entre 2019 e 2022, segundo pesquisa da consultoria, o valor do salgado subiu 10%.
“Como o salário médio não cresceu na mesma velocidade de outros custos da alimentação fora de casa, que foram muito fortes, o bolso ficou mais apertado”, afirma o consultor. Uma das saída foi deixar de comer pratos com a mesma frequência e colocar os salgados como opção. “Isso não quer dizer que o brasileiro tenha abandonado o restaurante. Mas, se antes comia pratos (prontos) três vezes na semana, agora diminuiu para duas, porque o dinheiro não dá”.
A troca da refeição pelo salgado foi puxada pelas classes de menor renda (C, D e E), que sentiram mais a inflação: o preço médio da refeição fora de casa cresceu 36% para as classes D e E; 24% para classe C; e recuou para classes A e B.
Isso porque a refeição dos mais ricos inclui outros ingredientes, enquanto o prato feito de quem ganha menos foi afetado pela alta das commodities, como arroz, feijão, carnes e óleo — ingredientes básicos dessas refeições.
‘O salário não está dando’
Artur Almeida, 24, que ganha um salário mínimo trabalhando com a locação de equipamentos de gaseificação para bares e restaurantes, diz que o preço é o principal motivo da troca da refeição pelo salgado, além da economia de tempo. “Acho muito alto um prato de comida por R$ 25 e tem lugares que é bem mais que isso”, disse Almeida, enquanto almoçava dois salgados por R$ 10.
Ele recebe R$ 26 por dia de vale refeição, mas usa o dinheiro nas compras de supermercado, para preparar o jantar e a marmita. “Esta semana não tive tempo de preparar a marmita. Tive de trabalhar no fim de semana, porque o salário não está dando para pagar todas as despesas.”
O presidente-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, diz que os resultados da pesquisada Kantar têm aderência com os números da associação. Mas o setor cresceu 8% em faturamento no ano passado, na comparação com 2019 (já descontada a inflação).
Solmucci diz que o crescimento foi sustentado pelas classes C, D e E, que ampliaram em 20% as vendas reais de lanchonetes e padarias (muito provavelmente na compra de salgados prontos e lanches). Os restaurantes do dia a dia que servem refeições, por outro lado, tiveram uma queda real de 10% na receita no período.
O executivo atribui essa retração também ao home office, adotado pela maioria das empresas em dois dias na semana —causando reflexos no consumo. Já os restaurantes para o público de maior renda “cresceram muito as vendas”, diz o presidente da Abrasel, sem revelar os porcentuais.
Compartilhamento e informalidade
Um dado da pesquisa da Kantar que chamou atenção de Romano foi o aumento do compartilhamento do consumo de salgados prontos, muito provavelmente de combos. O consumo individual, que representa metade do mercado de salgados, ficou praticamente estável entre 2019 e 2022. Já o consumo compartilhado, com três ou mais pessoas, teve aumento de quatro pontos porcentuais no período. “Isso mostra que está crescendo a compra de salgados em grupo.”
O aumento da preferência pelo salgado pronto e pelo consumo compartilhado tem transformado o mercado de alimentação fora de casa, e essa mudança também virou uma alternativa de renda para os trabalhadores informais. A pesquisa mostra que o canal de vendas de ambulantes cresceu 45% no pós-pandemia e foi o que mais aumentou no período, por ter preços menores em relação ao comércio formal.
A faxineira Maria do Rosário Ramos Silva, 57, tem como segunda fonte de renda vender salgados que prepara para os vizinhos (a coxinha custa R$ 2, e bolinha de queijo e bolinho de carne saem por R$ 1). Ela ganha um salário mínimo com as limpezas e um extra com os quitutes. “O pessoal passa na minha casa, compra e leva para comer no trabalho ou à noite em casa, no lugar de uma refeição”.
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Por: Estadão Conteúdo – InfoMoney