SÃO PAULO – O anúncio do presidente Jair Bolsonaro (PL) de uma nova proposta para tentar reduzir o preço dos combustíveis aprofundou o desentendimento entre o mandatário e governadores, e trouxe dúvidas sobre sua execução e consequências políticas.
Esta foi a pauta da edição do Radar InfoMoney desta terça-feira (7). Assista à íntegra pelo vídeo acima.
Após reunião com ministros e os presidentes das duas casas legislativas, Bolsonaro afirmou estar disposto a compensar, até o fim do ano, a renúncia de ICMS de estados que aceitarem zerar o tributo sobre diesel e gás de cozinha a partir dos 17% previstos como teto em projeto de lei complementar (PLP 18) em discussão no Senado Federal.
O mandatário também propôs, como parte do acordo, zerar as alíquotas dos impostos federais PIS/Cofins e Cide sobre etanol e gasolina até 31 de dezembro de 2022 – o que já havia sido feito no caso do diesel e do gás de cozinha.
O movimento do presidente, que tenta melhorar seus índices de aprovação a quatro meses das eleições, foi entendido no meio político como um esforço de ganho de popularidade somado a um componente de pressão sobre os governadores – que resistem à aprovação do PLP 18, preocupados com a perda de arrecadação que eventual sanção da proposta acarretará.
“Claramente a PEC é enviada como uma forma de pressionar adicionalmente os estados por conta de eles não estarem aceitando o PLP 18”, avalia Adriano Laureno, gerente de macropolítica da Prospectiva Consultoria. Para ele, a proposta é “100% eleitoreira” e não traz ganhos econômicos do ponto de vista estrutural.
O analista político Paulo Gama, da XP Investimentos, também vê no novo pacote anunciado pelo governo um reflexo da preocupação em oferecer soluções para o aumento nos preços do diesel e a crescente defasagem em relação aos valores praticados no mercado internacional – em um contexto de riscos de desabastecimento de um lado e preocupação com a insatisfação dos caminhoneiros do outro.
Governadores já demonstravam insatisfação em ter que arcar com perdas de arrecadação com ICMS sobre combustíveis em caso de aprovação do projeto de lei complementar, já que teriam que adaptar as alíquotas ao novo patamar de 17% em um ano eleitoral. O Rio de Janeiro, por exemplo, cobra 34% de tributo sobre combustíveis. Outros estados, como São Paulo e Santa Catarina, mantêm taxa de 25%.
O pacote do governo não pretende oferecer qualquer ressarcimento aos entes federados pela menor arrecadação provocada pela instituição do teto de 17%. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC), cujo conteúdo não foi revelado em detalhes, apenas trataria compensação para estados que aceitarem, partindo da alíquota limite, zerarem a cobrança do imposto.
A compensação de que tratará a proposta também estaria limitada a 31 de dezembro deste ano – ou seja, não haveria nenhuma forma de ressarcimento permanente por parte do governo federal à perda de receita que os estados enfrentarão com as mudanças.
“Para os estados, vai continuar não fazendo sentido aceitar a proposta, porque eles não deixam de ter custo fiscal, mesmo nos próximos seis meses, e passariam a ter um custo fiscal permanente, enquanto o governo só oferece compensação provisória”, observa Laureno.
“Do ponto de vista do discurso para a população, o governo poderá dizer que está apresentando uma proposta e uma alternativa para, inclusive, oferecer compensação fiscal do seu próprio bolso para garantir a zeragem desses impostos sobre diesel e gás de cozinha”, continua. Seria uma forma de tentar modificar a percepção da opinião pública sobre o assunto e reduzir o desgaste sofrido por Bolsonaro.
A inflação – e sobretudo a alta nos preços dos combustíveis – é vista por aliados políticos do presidente como componente fundamental a ser atacado no esforço por tornar a candidatura à reeleição mais competitiva.
Segundo pesquisa Ipespe, divulgada na última sexta-feira (3), 61% dos brasileiros acreditam que a economia do país está no caminho errado, enquanto 33% pensam o contrário. A maioria dos entrevistados (96%) reconhece que os preços dos produtos aumentaram recentemente, e 63% ainda esperam novas altas nos próximos meses.
O levantamento mostrou, ainda, que 50% da população considera o atual governo ruim ou péssimo. Na corrida ao Palácio do Planalto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidera a disputa com 45% das intenções de voto em cenário estimulado de primeiro turno – vantagem de 11 pontos percentuais sobre Bolsonaro.
Já o Datafolha apontou Lula à frente por 48% a 27% em pesquisa divulgada em 26 de maio, o que configuraria vitória já em primeiro turno. Números que ligaram um sinal de alerta na ala política do governo e ampliaram a pressão sobre o ministro Paulo Guedes por uma solução ao problema da disparada dos preços dos combustíveis.
Com as sinalizações de um ambiente negativo para Bolsonaro na corrida presidencial e dificuldades na construção de um acordo para a aprovação célere do PLP 18 no Senado Federal, o governo resolveu dobrar a aposta no plano para baixar os impostos sobre os gasolina, diesel, etanol e gás de cozinha. Mas os efeitos políticos desta aposta ainda geram dúvidas entre analistas.
“Há uma avaliação no governo de que Bolsonaro não sobe nas pesquisas por causa da inflação dos combustíveis, apesar do pacote de bondades oferecido. Essas medidas têm focado muito mais em redução de arrecadação do que gasto direto. A eficiência do real gasto para cada aumento de popularidade não é a melhor”, pontua Laureno.
Independentemente dos efeitos eleitorais esperados com a medida, a expectativa é que o plenário do Senado Federal se debruce sobre a matéria na próxima segunda-feira (13). O relator do texto, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), deverá fazer a leitura de seu parecer na quinta-feira (9), e o prazo para a apresentação de emendas será até as 15h da data da votação.
Há uma expectativa de parlamentares de que o relator inclua em seu parecer a desoneração de PIS, Cofins e Cide sobre os preços da gasolina, conforme anunciado ontem por Bolsonaro. A iniciativa pode tornar o projeto de lei complementar mais atrativo aos legisladores e facilitar sua aprovação. Mas, caso a modificação ao texto ocorra, será necessária uma nova deliberação na Câmara dos Deputados.
Ainda que haja resistências e críticas ao oportunismo do governo nas medidas anunciadas, analistas acreditam que o forte apelo eleitoral de iniciativas de redução de impostos dificultam os esforços de obstrução por parte de governadores e parlamentares de oposição.
“Apesar do claro improviso do governo ontem, o anúncio serviu para jogar pressão sobre a aprovação do PLP 18 e diminuir a margem de barganha dos estados para que o texto fosse suavizado em relação à perda de arrecadação”, afirma a equipe de análise política da XP.
“Ao se propor a compensar os estados que zerarem ICMS, o Executivo federal deixou senadores e deputados emparedados, sem abertura para questionamentos quanto à sustentabilidade fiscal dessas propostas em pleno ano eleitoral”, conclui.
Já a PEC que deverá abrir caminho para que o governo federal compense a perda de arrecadação de estados que optem por zerar a cobrança de ICMS sobre o diesel e o gás de cozinha a partir de uma alíquota de no máximo 17%, deverá iniciar sua tramitação somente ao final da aprovação do projeto de lei complementar.
Embora anunciado ontem, o texto da Emenda Constitucional ainda não foi fechado – restam dúvidas sobre os impactos fiscais da medida e quais serão as fontes de financiamento usadas. O ministro Paulo Guedes chegou a indicar que o governo lançaria mão de recursos extraordinários do Orçamento, como da privatização da Eletrobras e de receitas com petróleo.
Há ainda preocupações jurídicas com o movimento. Para mitigar novos riscos em torno da campanha de Bolsonaro à reeleição, a tendência é que a PEC, embora gestada no Palácio do Planalto, seja apresentada por um parlamentar governista – o que retiraria as impressões digitais do presidente sobre o projeto, inclusive porque PECs não são submetidas à sanção do Poder Executivo.
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Por: Marcos Mortari – InfoMoney