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A difícil convivência dos europeus com a inflação alta

A inflação medida pelo índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) já começou a mostrar desaceleração na Europa – o indicador na Zona do Euro ficou em 8,6% anualizados em janeiro, após ter atingido dois dígitos em outubro e novembro -, mas o custo de vida se tornou uma dor de cabeça constante para as famílias desde o ano passado e tem mudado os comportamentos de consumo em todos os países.

É cada vez mais comum jornais e sites dos principais países do continente com conteúdos didáticos ensinando como economizar energia, reduzir desperdícios, negociar dívidas ou organizar a vida financeira.

Uma prova de como o padrão de vida foi fortemente afetado são os dados do último Eurobarômetro, uma pesquisa oficial em toda a União Europeia, que apontou em janeiro que 93% dos entrevistados no bloco econômico apontaram o custo de vida como a preocupação mais urgente dos europeus, seguida pela ameaça de pobreza e exclusão social (82% das respostas).

Em alguns países, a sensação é pior. Na Grécia, 100% se mostraram mais preocupados com o elevado custo de vida, ante 99% no Chipre e 98% na Itália e em Portugal.

A mesma pesquisa mostrou que quase metade da população da UE (46%) diz que seu padrão de vida já foi reduzido devido às consequências da pandemia de covid-19 e dos efeitos econômicos da invasão da Ucrânia pela Rússia.

Uma explicação para o tom mais pessimista dessa e de outras pesquisas similares é que boa parte da recente desaceleração do índice cheio de inflação está relacionada ao melhor comportamento dos preços da energia, seja pela queda de commodities, seja por programas de auxílio nas contas de luz praticados pelos países.

Por outro lado, os preços dos alimentos e dos serviços, no entanto, continuam em patamares elevados. A inflação de alimentos, bebidas e tabaco na Zona do Euro atingiu o pico 14,1% em janeiro e a variação de preços de serviços se mantêm acima de 4% há meses.

As mudanças que isso tem trazido no consumo do continente são alvo de estudos constantes. Um boletim econômico do Banco Central Europeu (BCE) do final de 2022 apontou que As cestas de consumo naturalmente variam entre os grupos de renda. As famílias de baixa renda, por exemplo, têm gastado proporcionalmente mais em itens essenciais, como em alimentos, eletricidade, gás e aquecimento. E gastam numa proporção menor em transportes, recreação, restaurantes e utensílios domésticos.

As famílias de alta renda, por sua vez, conseguem substituir produtos caros por alternativas mais baratas, uma prova que são mais capazes de amortecer o impacto da inflação, embora sofram mais quando os combustíveis sobem, por exemplo.

O BCE também citou sua pesquisa Consumer Expectations Survey (CES) para apontar que as famílias com ganhos menores reduziram sua poupanças em proporção entre e cinco a seis vezes maior que as famílias mais abastadas nos últimos dois anos.

Com isso, a proporção de consumidores que esperam atrasar o pagamento das contas de serviços públicos aumentou mais para as famílias de baixa renda do que para as famílias de alta renda desde abril de 2020. Isso pode significar que a estabilidade financeira das famílias de baixa renda está ainda mais ameaçada, dadas as pressões inflacionárias sobre os preços de energia e alimentos.

Adaptações

As tentativa de aliviar essas pressões são frequentes. Nos últimos dias, o governo francês prometeu ajudar as pequenas padarias – praticamente um símbolo da alimentação no país – após uma reunião do ministro das Finanças, Bruno Le Maire, com padeiros. A atual crise de preços apareceu exatamente quando a baguete, o pão básico da França, entrou para a lista de patrimônio cultural das Nações Unidas, em novembro.

Enquanto isso, na Alemanha, perto da metade dos bancos de alimentos – um dos programas sociais mais elogiados do país – viram seu número de clientes dobrar entre 2021 e 2022, sendo que muitos deles estão sendo obrigados a recusar pessoas, segundo reportagem da Deutsche Welle. Muitas vezes, as doações às famílias são reduzidas para poder atender a toda a demanda.

No Reino Unido, uma pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisa Econômica e Social (NIESR, na sigla em inglês) calculou que, com as altas contas de energia e o aumento do custo de uma compra semanal, pelo menos 7 milhões de famílias (cerca de um quarto da população) não conseguirão pagar integralmente suas contas com suas rendas atuais.

Isso significa que uma família de renda média enfrentaria um golpe em sua renda disponível pessoal de 13%, chegando a 4.000 libras de perdas no próximo ano financeiro. Para o “think tank” que organizou o estudo, O Reino Unido poderia até evitar a recessão técnica prolongada neste ano, mas para milhões de pessoas a percepção será outra.

Só a inflação específica dos supermercados disparou para um recorde de 16,7% em janeiro. Isso elevou a conta média anual de supermercado dos britânicos para cerca de US$ 6,8 mil, ou US$ 974 a mais do que no ano passado.

Pequenos detalhes comprovam como o cotidiano ficou precarizado. Pesquisa recente de associação do setor agrícola prevê eu o consumo de carnes vermelhas e de suínos devem recuar no país em 2023.

Os serviços de creches têm relatado com frequência que as crianças tem chegado sem a devida alimentação diária aos estabelecimentos. E, segundo o The Guardian, quatro em cada cinco professores do Reino Unido disseram estar fornecendo escovas e pasta de dente aos alunos, segundo pesquisa da British Dental Association (BDA). A constatação é que as famílias reduziram esse tipo de compra na crise.

Na Itália, o principal sindicato agrícola do país divulgou qa quantidade de frutas e legumes comprada pelos consumidores locais no primeiro semestre de 2022 atingiu o nível mais baixo desde o início do século.

O índice mensal da pizza margherita, criado pela Bloomberg para destacar o choque do custo de vida dos italianos, teve alta de quase 30% em dezembro em relação ao ano anterior, superando em muito a taxa de inflação do mês, que atingiu 12,3%.

Uma pesquisa feita no final do ano passado pela Ipsos confirmou que os italianos estavam modificando seus hábitos de consumo para tentar conter o impacto da inflação no orçamento doméstico:  passaram a reduzir o desperdício, estavam comprando apenas o estritamente necessário e buscando opções mais baratas para os mesmos produtos.

Protestos e greves

Com a inflação corroendo a renda, os salários também têm subido na Europa, mas em menor proporção e isso tem levado a difíceis negociações por reajustes com alguns sindicatos.

Cerca de meio milhão de pessoas, incluindo professores, ferroviários e funcionários públicos de várias categorias cruzaram os braços em Londres no início do mês pedindo reposições salariais. Os enfermeiros e enfermeiras entraram em greve na Inglaterra em dezembro de 2022 pela primeira vez em 106 anos.

Embora boa parte da famílias tenha sido beneficiada por auxílios emergenciais desde o início da pandemia, os britânicos têm convido há meses com uma inflação na casa dos 10%.

Na Alemanha, cerca de 8.000 funcionários do serviço postal entraram em greve novamente em todo o país por conta de impasse na negociações por reposição de perdas salariais. Paralisações menores já foram registradas nas últimas semana em aeroportos, transporte ferroviário.

No ano passado, os salários reais na Alemanha caíram à menores taxas desde que a série histórica estatística começou a ser pesquisada, em 2008. Com uma de inflação de 7,9% em 2022, o aumento nominal dos salários atingiu apenas 3,4% no país.

Na França, os frequentes protestos e greves estão direcionados à proposta de reforma previdenciária do governo do presidente Emmanuel Macron que pretende elevar a idade mínima da aposentadoria de 62 para 64 anos. Mas os manifestantes dizem em entrevistas que a mudança é particularmente trágica num momento de piora no custo de vida. A inflação oficial foi de 6% em janeiro (até baixa em comparação com outros países), mas os preços dos alimentos têm subido o dobro disso.

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Por: Roberto de Lira – InfoMoney

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