Um pedido de namoro pode vir acompanhado de grandes gestos apaixonados e alguns outros mais burocráticos, como a proposta de assinar um documento confirmando que o relacionamento é um namoro e nada além disso.
Um contrato de namoro, embora não seja formalmente reconhecido pela legislação – e não pareça muito romântico –, pode servir como instrumento de planejamento financeiro. E a procura por esse tipo de documento aumentou muito nos últimos dois anos, com a pandemia de coronavírus.
As buscas por registros de testamentos, por exemplo, saltou 41% em um ano, e o de casamentos, cresceu 21%, segundo a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). É difícil precisar quanto aumentou a busca por contratos de namoro porque esse instrumento pode ser feito de maneira privada, mas os escritórios de direito de família e gestão patrimonial registraram aumento de cerca de 100% na consulta, principalmente entre pessoas que já possuem patrimônio e passaram por um ou mais processos de separação.
Fernanda Haddad, associada sênior da área de Wealth Management do Trench Rossi Watanabe, explica que esses contratos que já existem há alguns anos ganharam mais atenção do público por haver um entendimento geral, ainda que equivocado, que o simples fato de morar junto configura união estável. “Por conta do isolamento social, muitos casais passaram a morar juntos mesmo que ainda não tivessem planos para isso no curto prazo. Por isso, os contratos de namoro acabam sendo instrumentos importantes para blindar o patrimônio”, afirma Haddad.
Na Lei 9.278 de maio de 1998, que regulamenta a união estável, não há nenhuma regra que determine “morar na mesma residência” ou mesmo um prazo mínimo de convivência para enquadrar uma relação amorosa como união estável. Os critérios são tão subjetivos quanto direito e dever de respeito e consideração mútuos; assistência moral e material recíproca; e guarda, sustento e educação dos filhos comuns.
Segundo o Código Civil, para que uma relação seja considerada união estável é preciso que ela seja: 1) duradoura; 2) pública; 3) contínua; e 4) com objetivo de constituir família. A falta de critérios claros pode levar a judicialização e até a decisões que caminham em direção opostas, já que dependem de interpretação.
É justamente com o objetivo de eliminar “entrelinhas” e interpretações que os especialistas indicam a celebração de um contrato de namoro. Segundo Samir Choaib, sócio-fundador do escritório Choaib, Paiva e Justo Advogados, o grande objetivo desse tipo de documento é descaracterizar a união estável. “No entendimento jurídico, há uma diferença muito tênue entre o namoro e a união estável, mas ela existe. Nesse sentido, o contrato seria usado para demonstrar que não há, nessa relação, os mesmos direitos e deveres de uma união estável”, afirma Choaib.
Contrato de namoro X união estável
“A principal diferença entre o contrato de namoro e a união estável encontra-se no fato de que, a segunda tem como principal característica constituir família. O contrato de namoro visa apenas assegurar os bens materiais das partes”. Quem informa é a professora de direito da Universidade Federal do Paraná, Marília Pedroso Xavier, em seu livro “Contrato de Namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo” que investigou as origens do contrato de namoro.
Os dois documentos, portanto, têm relação com a partilha de bens.
Em uma união estável sem reconhecimento formal, o entendimento jurídico é que o casal vive em comunhão parcial de bens. Isso significa que, em caso de separação, cada parceiro leva consigo todos os bens adquiridos antes do relacionamento mais a metade daquilo que foi construído enquanto a união durou.
Em casos de falecimento, o parceiro em união estável seria um dos herdeiros e teria direito também ao patrimônio que foi adquirido pelo companheiro antes da relação.
O outro lado também existe: se um dos parceiros se endividar enquanto vive uma união estável, os bens do outro podem acabar em risco também.
Nada disso acontece em um namoro. Durante o namoro, o entendimento jurídico é que cada um está construindo seu patrimônio (e suas dívidas) de maneira independente.
Fernanda Haddad exemplifica: no meio da pandemia, dois namorados resolvem morar juntos para economizar ou para fazer companhia um para o outro e não formalizam nada. Depois de alguns meses, uma das pessoas compra um imóvel e pouco tempo depois o casal se separa. Depois de um tempo chega uma ação de reconhecimento de união estável e partilha. “É daí que vem o risco, de você ter que explicar que não estava vivendo como uma entidade familiar, que o imóvel é só seu e ter que provar isso com testemunhas e documentos”, diz Haddad.
Orientações para casais interessados
Contratos de namoro são relativamente novos no ordenamento jurídico brasileiro e não existe um artigo no Código Civil definindo como deve ser redigido.
Como não existe uma regra específica, Choaib sugere que os casais busquem auxílio de advogados. “Pode acontecer, por exemplo, de um casal que já vive em união estável querer fazer um contrato de namoro. Nesse caso, seria um desperdício de tempo e dinheiro, porque o contrato seria invalidado em uma disputa judicial”, afirma Choaib.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), os documentos desse tipo não são obrigatórios e dependem do casal estar em acordo com as cláusulas estipuladas. Mesmo assim, podem ser invalidados.
Para evitar problemas e celebrar o contrato, as partes precisam ter ter mais de 18 anos, não podem ser coagidas a assinar e devem se lembrar que o documento não é vitalício. Por isso, os especialistas recomendam que um novo contrato seja assinado a cada seis meses, para reiterar a natureza da relação.
E mais: para um contrato do tipo ser factível, é preciso que seja oficial, com o selo do cartório ou com registro das assinaturas e de testemunhas.
O documento, contudo, não precisa ser redigido por um advogado. Inclusive, muitos cartórios de notas oferecem modelos de Instrumento Particular de Contrato de Namoro, com cláusulas que podem ser modificadas, a um custo que varia em cada região do país e fica entre R$ 200 e R$ 500.
Hora da D.R.
Em uma relação amorosa, é comum que haja desentendimentos e diferentes percepções sobre a relação. Enquanto um acredita que está em um relacionamento sério, o outro pode ver como algo sem compromisso. Para além das implicações emocionais que um desalinhamento como esses pode causar, os especialistas em direito de família e patrimonial alertam para prejuízos financeiros e sugerem uma conversa sobre o tema.
Para Fernanda Haddad, falar sobre a situação jurídica da relação pode não ser muito agradável, mas é importante para o futuro dos envolvidos. “Percebemos como os companheiros e cônjuges têm percepções muito diferentes. O fato de formalizar deixa todo mundo na mesma página”, afirma.
E, mesmo que o casal tenha entendido que vive em união estável e esteja confortável com isso, é importante definir um regime de bens e um momento em que a relação passou a ser união estável, caso contrário, o regime adotado será o de comunhão parcial.
“Pedir para o namorado assinar um documento pode soar como uma burocracia mesmo, mas é válido para quem tem essa preocupação, quer zelar pelo seu patrimônio, ou passou por uma separação e sabe como isso pode ser complexo”, afirma Choaib.
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Por: Mariana Amaro – InfoMoney