O mundo caminha para a personalização. O tamanho do desafio é colossal: como suprir as expectativas de cada um dos bilhões de consumidores? A resposta vem sendo construída a partir da análise transversal de um calhamaço de dados em diferentes segmentos. E o cuidado com o dinheiro é uma área que já passa por essa transformação.
Nesta quarta-feira (1º) faz dois anos que um complexo sistema de compartilhamento de dados abertos foi criado no Brasil entre clientes e centenas de bancos e fintechs, sob a fiscalização do Banco Central, para ofertar produtos e serviços financeiros menos custosos e mais personalizados.
O “Open Finance”, como esse ecossistema foi batizado, é o carro-chefe de um projeto gigantesco que vai mudar nos próximos anos processos em outras áreas como seguros, previdência, investimentos e câmbio.
O ecossistema hoje já conta com 11 milhões de clientes que aceitaram compartilhar seus dados para as instituições financeiras. Em contrapartida, esses consumidores terão outras facilidades como aumento dos limites de crédito, menores taxas de juros e informações financeiras agregadas em um único local.
Izabela Silva, 26, gerente de negócios de São Paulo, já colhe os “bons frutos” do Open Finance. Ela diz ter solicitado recentemente um cartão de crédito para juntar pontos de milhas aéreas. Quando recebeu o cartão, achou o limite aprovado muito baixo. No aplicativo do banco, Izabela solicitou o aumento do crédito e teve uma surpresa.
“Pedi o aumento de limite e apareceu uma mensagem perguntando se eu não gostaria de compartilhar os meus dados financeiros com outras instituições. Aceitei, e o banco analisou os meus dados e aumentou em 25% o meu limite na hora por três meses. Achei ótimo e muito útil”, conta.
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Nos seus dois primeiros anos, o Open Finance no Brasil buscou estrutura tecnológica e regulatória para que as instituições financeiras tivessem a capacidade de criar ofertas de produtos e serviços a partir da análise de dados liberados pelos consumidores. Porém, a cautela imperou entre as empresas.
Ainda são poucas as soluções disponíveis no âmbito do Open Finance no país — muitas delas, inclusive, apresentam fricções na experiência do cliente e precisam evoluir. Até 2022, os seguintes recursos foram lançados:
- possibilidade de compartilhar informações;
- agregadores de contas;
- movimentação de dinheiro, via Pix, de uma conta para outra; e
- interações via WhatsApp.
Ainda assim, o projeto brasileiro de Open Finance ganhou relevância no mundo pela capilaridade e velocidade em seu desenvolvimento. Segundo o estudo recente “Global Open Finance Index”, realizado pela comunidade global “Open Banking Excellence (OBE)”, em parceria com a Universidade de Oxford e Accenture, o Brasil deve ultrapassar o Reino Unido, pioneiro na área, e assumir a liderança Open Finance no mundo.
Em seu primeiro ano de operação, o Open Finance no Brasil alcançou 5 milhões de consentimentos ativos, patamar que o Reino Unido demorou cinco anos para atingir. Com dois anos de implantação, veja os principais números do ecossistema:
Adesão é crucial
Apesar do reconhecimento internacional, o Open Finance no Brasil ainda é um “estranho no ninho” para a maioria da população. É o que mostrou a pesquisa recente da Provu, fintech de meios de pagamento e crédito pessoal, com os entrevistados (60%) afirmando não saber ou nunca ter ouvido falar de Open Finance.
O administrador Gabriel Benevides, 27, de Fortaleza (CE), diz que até sabe da existência do Open Finance, mas não aderiu ao sistema por um motivo. “Se tivesse um benefício ofertado de maneira clara, não teria problema em usar. Acho que os benefícios não estão claros hoje para o cliente compartilhar os dados”, afirma.
Thiago Alvarez, fundador do GuiaBolso e atual líder de Open Finance no PicPay, diz que a entrega de valor ao consumidor vai ditar o ritmo da evolução do Open Finance. “Compartilhar o dado por compartilhar não é eficiente para ninguém. A oferta, então, deve ser feita por outro caminho: ‘faça gestão financeira aqui’; ‘controle seu dinheiro aqui’; ‘monitore seu score de crédito’; ‘aumente a chance de limite maior para o cartão de crédito’; entre outras”.
Bruno Diniz, especialista em inovação financeira e professor em MBAs da USP, afirma que novos produtos ainda não apareceram no mercado em larga escala “porque há um foco maior no incremento operacional do ecossistema”.
A previsão é que, a partir deste ano, o Open Finance ganhe mais tração, prevê Karen Machado, líder da área no Banco do Brasil. “2023 vai ser decisivo em termos de consolidação do ecossistema e evolução de produtos. Mais instituições voluntárias vão entrar. Não vai mais ter aquela regra de adesão obrigatória e voluntária porque todo mundo vai querer fazer parte desse novo sistema financeiro”, avalia.
Experts do mercado sinalizam que o Open Finance poderá auxiliar em duas frentes: na melhoria de produtos financeiros existentes e na criação de novidades na área. Para Marcos Cavagnoli, diretor de gestão financeira digital e Open Finance do Itaú Unibanco, essas possibilidades funcionarão como ímã ao consumidor.
“Nos produtos já existentes, o Open Finance poderá ajudar na melhoria da experiência em cartão de crédito e investimentos. Do lado de produtos novos, o caminho deve ser o agregador de contas para ajudar o consumidor na sua gestão financeira”, pontua Cavagnoli.
Execução x monetização
Bragança, da Roland Berger, ressalta outro desafio: as empresas sabem que o dado compartilhado pelo cliente vai ajudá-las a entendê-lo melhor na oferta de produtos mais adequados. Mas como o ecossistema é novo, os produtos também são, o que dificulta a mensuração da eficácia e da monetização deles. “Por isso, não vejo uma explosão de novos casos de uso, pelo menos pela postura de alguns clientes. Há apostas em um ou dois produtos para ir testando com o consumidor neste ano”.
Juan Ferrés, fundador da Teros, também faz o mesmo coro. “O Open Finance no Brasil tem um efeito colateral: ainda não dá dinheiro. Um caminhão de dinheiro foi investido em infraestrutura, mas quase não tem produtos, nem volumetria de transação relevante pra justificar a complexidade e o investimento”.
Os lançamentos de produtos, continua Ferrés, estão sendo atropelados pela burocracia. “A sequência de demandas regulatórias tira uma parte do fôlego para os lançamentos. É um jogo de difícil equilíbrio porque são muitas frentes para se trabalhar ao mesmo tempo e não se pode deixar nenhum lado ser impactado por alguma falha”.
Sophia Kraus, gerente de Open Finance da XP, pondera que a pressão nos prazos e as reviravoltas do projeto fazem parte do processo. “Hoje, o BC e o mercado aprenderam a trabalhar com mais cadência e performance. Avançamos conforme a entrega, sem datas travadas para todo mundo se encaixar. Sinto que vem funcionando”, avalia.
Luana Soratto, coordenadora do comitê de Open Finance da ABFintechs e membro da governança do ecossistema no país, diz que nos primeiros dois anos as melhorias foram sendo implementadas na qualidade dos dados que tão sendo disponibilizados. “Agora vamos entrar em um momento de mais lançamentos de produtos. O BC tem pressionado e não vamos parar no básico”, diz.
Soratto também prevê que mais produtos e serviços serão aprimorados e lançados ainda no primeiro semestre deste ano.
É hora de se arriscar
Para não perder o cliente no Open Finance, as empresas terão que se arriscar mais. É como Luana Soratto, da ABFintechs, já disse anteriormente: “não vai dar para ficar no básico”. As soluções terão que evoluir com mais velocidade.
Cristiano Gomes, líder de plataformas digitais e ecossistemas no Bradesco, exemplica a oferta do botão de consentimento, mecanismo usado pelo cliente para autorizar o compartilhamento de seus próprios dados para outros bancos. “Essa é uma etapa inicial. O consentimento tem prazo limitado [a 12 meses]. Não adianta pensar no curto prazo, é preciso construir valor no longo prazo para que o cliente mantenha esse relacionamento e renove essa autorização”, afirma.
“As instituições que já estão ofertando o consentimento ao usuário devem acelerar os lançamentos para esse ano e isso pode ser decisivo para escalar o ecossistema. Ninguém quer ficar de fora da decisão do cliente. Se um concorrente entra no jogo, eu também quero entrar. O bom é que cada vez mais o consumidor vai ter acesso a essas ofertas”, pontua Rogerio Melfi, membro da ABFintechs.
Karen Machado, líder da área no Banco do Brasil, dichava o que está em jogo no Open Finance: do lado das empresas, é preciso lançar produtos para ganhar valor e fidelizar o cliente. Já o cliente só repassa suas informações se enxergar benefícios.
“É um movimento de aprendizado do mercado: precisamos engajar o cliente para receber os dados e ofertar algo de mais valor”, finaliza Machado.
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Por: Giovanna Sutto – InfoMoney