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Como dosar o aperto monetário e evitar uma forte recessão global? Bancos centrais enfrentam questão

Um tema que foi frequente tanto nas reuniões oficiais do Fundo Monetário Internacional (FMI), na semana retrasada em Washington, como em encontros paralelos patrocinados ou frequentados por expoentes do mercado financeiro foi o dilema que os formuladores de políticas monetárias enfrentam no momento: como dosar as necessárias altas nas taxas de juros para puxar a inflação e suas expectativas para baixo sem causar uma recessão forte e prolongada?

Relatórios recentes de grandes bancos de investimentos e comentários de economistas renomados têm abordado a questão com frequência pata tentar enxergar se existe algum consenso sobre essa busca pelo juro neutro – aquele que permite o estímulo à economia sem causar perda do controle da inflação.

‘Timing’ diferente

Olhando a situação de variadas regiões, é possível verificar que as economias estão em estágios diferentes nesse processo, com algumas exceções, como China, Rússia e Turquia, por exemplo.

Países emergentes e em desenvolvimento, especialmente na América Latina, iniciaram suas políticas contracionistas antes e têm colhido os primeiros frutos do combate à inflação.

Nesta semana, o Financial Times elogiou em artigo a liderança da região latino-americana no ciclo de aperto monetário, com destaque para o Brasil. A reportagem destacou que o BC brasileiro iniciou essa orientação um mês após a autonomia da autoridade monetária ter sido instituída. Entre março de 2021 e setembro de 2022, a taxa Selic subiu de 2% ao ano para 13,75%.

O jornal destacou que a tática funcionou, dado que a inflação anualizada no País caiu de um pico de 12,1% em abril para 7,17%, em setembro.

O FT lembrou que Chile e a Colômbia não ficaram muito atrás do Brasil, aumentando suas taxas de juros para 10,75 e 8,25 pontos porcentuais, respectivamente. Peru e México, por sua vez, praticaram aumentos de 6,5 e 5 pontos porcentuais.

Nas economias desenvolvidas, por outro lado, o ciclo demorou a começar. O Federal Reserve (Fed) começou a elevar suas taxas em março de 2022, e até agora acrescentou 3 pontos-base. Já o Banco da Inglaterra (BoE) começou seu ciclo antes, em dezembro de 2021, mas num ritmo menor – até aqui as taxas subiram 2,15 pontos. O Banco Central Europeu (BCE), por sua vez, só passou para o lado “hawkish” em julho passado, embora em ritmo mais forte. Na reunião de setembro, promoveu alta de 75 pontos-base em suas taxas e o mercado anuncia medida de igual potência no final de outubro.

Ou seja, a dose de juros e a velocidade nesse ajuste têm variado, respeitando histórico e características de cada economia. O Peterson Institute for International Economics vê isso como natural. Num artigo assinado por Olivier Blanchard, ex-economista chefe do FMI, o instituto destacou que é possível observar isso ao analisar uma das forças por trás da inflação: o mercado de trabalho. “O mercado de trabalho dos EUA está claramente superaquecido. Este não é o caso na maior parte da Zona do Euro”, destacou.

Outra diferença entre os dois lados do oceano para ser observada, diz Blanchard, é na questão da atividade econômica. Para ele, a demanda subjacente nos Estados Unidos ainda é forte. “A combinação de alta inflação subjacente e forte demanda implica que o Fed terá que fazer grande parte do trabalho de desaceleração da economia. Não vai acontecer por si só”, analisa.

Já na Zona do Euro, acredita, é muito mais provável que a demanda desacelere por conta própria. Como a região importa grande parte da sua energia, o aumento dos preços motivado pela guerra entre Rússia e Ucrânia levou a uma grande diminuição do poder de compra. Alguns desses reajustes refletem tanto no consumo como no investimento. “Como os programas fiscais relacionados à covid-19 eram menores do que nos Estados Unidos, as famílias europeias têm economias menores nas quais confiar”, escreveu no site do instituto.

O economista Otaviano Canuto, do Center for Macroeconomis & Development, acrescentou em artigo outro desafio que considera intrínseco à economia globalizada: as repercussões de decisões nos outros países. “Há um desafio intrínseco à economia globalizada. Cada banco central olha para o seu próprio país, decidindo as políticas monetárias de acordo com o que julga necessário em relação ao dilema local entre desemprego e inflação”, comenta o brasileiro, que já ocupou diretorias no FMI e no Banco Mundial.

“Mas, em uma economia tão interdependente, as repercussões das decisões de qualquer grande país vão muito além de suas fronteiras. E voltam. A probabilidade de feedback de políticas monetárias restritivas é maior quando todas elas respondem a um problema inflacionário comum”, escreveu.

Três cenários

O Banco Mundial afirmou no relatório “A Recessão Global é Iminente?” que existem três cenários possíveis. No cenário de referência, existe a possibilidade pouso suave na economia global, com alguma desaceleração no ano que vem e retomada, ainda que lenta, a partir de 2024. Isso lembraria o ocorrido nas crises de 1998 e 2012.

O segundo cenário, chamado de “forte desaceleração”, pressupõe um desvio para cima nas expectativas de inflação, o que acabaria por desencadear um aperto adicional da política monetária por parte dos principais Bancos Centrais. Nesse cenário, a economia global ainda escaparia de uma recessão em 2023, mas experimentaria uma forte desaceleração. E sem restaurar a inflação baixa até o final do período previsto.

Já no terceiro cenário, de recessão global, aumentos adicionais nas taxas de juros desencadeariam uma forte reavaliação do risco nos mercados financeiros globais e resultariam em uma contração extrema da economia em 2023. Isso teria consequências graves para as perspectivas de crescimento de longo prazo dos mercados emergentes e economias em desenvolvimento, que já foram duramente atingidas pela recessão global induzida pela pandemia de 2020.

Riscos à frente

Mas qual a visão dos formuladores de políticas de governos e Bancos Centrais? A XP aproveitou o encontro do FMI em Washington na semana passada e recebeu alguns desses representantes. Segundo o boletim XPresso, há um consenso de que a primeira etapa da redução da inflação nos países desenvolvidos (para taxas anuais entre 4% e 5%) seja “relativamente fácil de acontecer”. A próxima etapa, no entanto, que resultaria na convergência para a desejada meta de 2%, pode ser mais difícil.

Exatamente por isso, não se sabe se uma continuidade no ciclo contracionista pode levar a uma recessão mais séria. Ou seja, por enquanto há pouco consenso sobre qual seria o nível de juros neutro.

“A Europa é a região vista com maior risco de entrar em recessão. Vários (dos convidados) também reconheceram, no entanto, a resiliência de alguns setores da economia, como o mercado de trabalho e o consumidor. Essa resiliência pode atrasar o início ou diminuir a profundidade de uma possível recessão adiante”, escreveu a XP em seu relatório.

O Goldman Sachs, por sua vez, analisou o progresso recente dos indicadores dos quatro países de língua inglesa entre as 10 maiores economias do planeta (EUA, Canadá, Reino Unido e Austrália), e concluiu que eles podem conseguir reduzir a inflação sem recessão e, finalmente, virar a página do ciclo de alta.

O banco de investimentos tem visto sinais de desaceleração no crescimento do PIB nos EUA e União Europeia para um ritmo abaixo do potencial, encaminhado um equilíbrio entre oferta e demanda. Também tem observado as lacunas entre empregos e trabalhadores estão diminuindo, embora mais lentamente na Austrália e no Reino Unido. E que as pressões salariais estariam próximas do pico nas principais economias.

Lógico que há riscos no caminho, como os preços e salários no setor se serviços se mostrando mais resistentes, o que poderia causar recuperação da renda real. Uma nova rodada de interrupções na cadeia de abastecimento relacionada à guerra na Ucrânia ou o agravamento da crise energética europeia também poderiam afetar preços dos bens e as expectativas de inflação, ponderou do Goldman Sachs.

Jaime Valdívia, economista chefe da Galapagos capital, colocou outro ingrediente nesse dilema em seu relatório pós reuniões do FMI: a China. “A China está se tornando um problema maior ao invés de parte da solução para estabilizar a economia global. Além da fracassada estratégia da covid zero, os problemas no setor imobiliário permanecem sem um caminho claro para uma solução. Não há estratégia aparente”, escreveu

Para ele, um modelo de crescimento interno em busca de autossuficiência em vez de integração global será detrator do crescimento global. “A fraqueza da moeda será mais usual, pois é uma das ferramentas que podem sugar o crescimento do mundo na ausência de ferramentas tradicionais, como o investimento imobiliário e em infraestrutura”, lembrou.

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Por: Roberto de Lira – InfoMoney

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